segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Adoro o que Martha escreve


Certa vez, conversando com uma conhecida, disse:
-Nossa, adoro o que Martha Medeiros escreve. Não a conheço, mas adoro ela também.
-Você gosta dessa cronista? Ela é muito feminista.

Nunca havia tido essa impressão, pois acredito que Martha escreva com o coração. O coração de uma mulher que, assim como todas nós, tem seus desejos, sonhos, seus dias de TPM, de mau-humor, de menina, de mãe, de amiga. Eu simplesmente amo tudo o que Martha escreve. Bem, confesso que ainda não li "tudo" o que ela já escreveu, tenho acompanhado apenas as crônicas no jornal Zero Hora, mas se isso já foi o bastante para me encantar, imaginem quando eu ler tudo...

Com algumas crônicas dou risadas, com outras enrugo a testa. Tem as que me deixam pensativa, que mudam minha forma de pensar e as que apenas me fazem olhar para o horizonte. Com Martha descobri o prazer da leitura, foi na oitava série o meu primeiro contato. Quando uma professora de português leu um texto num pedaço de jornal, perguntou-nos:
- Vocês conhecem Martha Medeiros? Essa é uma de suas crônicas, está na Zero Hora de domingo.

A partir daí comecei a ler, não leio sempre, confesso. Mas estou procurando me enriquecer culturalmente, tenho me esforçado deixando de lado a minha alienação à TV. É meio difícil quando se vem de uma família viciada em programinhas fúteis, mas basta ter vontade.

A leitura alimenta a alma, enriquece o nosso vocabulário, melhora a nossa comunicação. Todos deveríamos ler, ao menos uma hora por dia, deveria ser um hábito, assim como comer. Você não passa o dia bem se fizer somente uma refeição, passa?

Tenho apenas um livro de Martha Medeiros (por falta de dinheiro), Coisas da Vida, da editora L&PM, 2005. Comprei na feira do livro nesse mesmo ano. Nele estão reunidas crônicas que foram publicadas originalmente nos jornais Zero Hora e O Globo entre setembro de 2003 e setembro de 2005. Sempre leio alguma, escolho aleatoriamente. Acredito que essa minha conhecida não acompanha muito o que Matha escreve, pois não são só para ou de mulheres, são coisas da vida. Se ela é feminista pelo que escreve, então eu também sou. Ou não saiba exatamente o que é ser feminista.

Tive dificuladade em escolher uma crônica para postar aqui, pois são tantas que gosto. Escolhi a primeira do livro. Leiam:

TODO O RESTO

“Existe o certo, o errado e todo o resto.” Esta é uma frase dita pelo ator Daniel Oliveira representando Cazuza, em uma conversa com o pai, numa cena que, a meu ver, resume o espírito do filme que esteve em cartaz até pouco tempo. Aliás, resume a vida.

Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever cumprido. Errado é dar calote, repetir de ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. Todo mundo de acordo?

Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado.Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.

Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto.

O amor é certo, o ódio é errado, e resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história, caso viessem a público.

Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos ou que obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos? Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai que nos sufoca que nos entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado, o errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com esses reducionismos: é nossa fome por idéias novas, é nosso rosto que se transforma com o tempo, são nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.


Todo o resto é muito mais vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e a inocência que se mantêm vivas dentro de nós, mas que ninguém percebe, só porque crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.


Martha Medeiros




Poeta e cronista, formou-se em
Publicidade e Propaganda e
trabalhou como redatora e
diretora de criação em
diversas agências.
Martha Medeiros é colunista
dos jornais O Globo e Zero Hora.





Obras Publicadas

Strip-Tease (1985),
Meia noite e um quarto (1987)
Persona non grata (1991)
De Cara Lavada (1995)
Poesia Reunida (1998)
Geração Bivolt (1995)
"Coisas da Vida" (1995)
Topless (1997)
Santiago do Chile (1996).
Trem-Bala (1999) - Livro de crônicas já na nona edição, adaptado com sucesso para o teatro, sob direção de
Irene Brietzke.
Non Stop (2000)
Cartas Extraviadas e Outros Poemas (2000)
Divã (2002) - O livro deu origem a uma peça e depois a um filme, ambos estrelados pela a atriz
Lilia Cabral, no papel de Mercedes.
Montanha-Russa (2003)
Esquisita como Eu (2004) - Infantil
Selma e Sinatra (2005)
Tudo que Eu Queria te Dizer (2007)
Doidas e Santas (2008)
(Fonte: Wikipedia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário